Estreia do blog e O Sol é Para Todos (To Kill a Mockingbird) – Harper Lee

Então, gente… quem me acompanha no instagram viu, depois da jornada #LendoHarperLee, criada pela Mell Ferraz do Blog Literature-se, no domingo finalmente terminei de ler este livro incrível. Depois de diversas passagens sensacionais postadas por lá, não teria como deixar de fazer uma resenha sobre ele. Já aviso de antemão que não conseguirei falar como quero sem comentar sobre os acontecimentos ocorridos durante a história e, para falar a verdade, nem acho que isso seja o principal mas, sim, como muitos falam, o modo como é narrado e seus detalhes, a forma inocente, pura e sensível que a narradora nos apresenta o desenrolar de tudo. Apesar de ser uma frase quase que clichê, acho que nesse livro se aplica. Não sei se O Sol é Para Todos é um livro de spoilers. Mas, em respeito aos que não leram – e que deviam imediatamente! –, vou sinalizá-los, caso ocorram.

Em primeiro lugar, este livro conta a história não só de sua narradora, Jean Louise Finch, mais conhecida como Scout, mas de, em certa forma, os moradores do condado de Maycomb, no sul dos Estados Unidos, Alabama, e suas relações em diversos níveis. Em um primeiro momento, na primeira parte do livro, parece-nos que a história é sobre Scout e sua vida em Maycomb, um lugar pacato que, como é descrito por Scout,

Quando chovia, as ruas viravam um lamaçal vermelho; o mato crescia nas calçadas e o tribunal parecia afundar no meio da praça. De alguma maneira, fazia mais calor; (…) Às nove da manhã, o colarinho duro dos homens já estava mole. As mulheres tomavam um banho antes do meio-dia e outro depois da sesta das três da tarde; (…) No calor, as pessoas se movimentavam devagar. (…) Os dias tinham vinte e quatro horas, mas davam a impressão de durar mais. Ninguém tinha pressa, pois não havia aonde ir, nada que comprar nem dinheiro para tal, nem nada para ver nos arredores de Maycomb” (p. 13-14).

Para “agitar” a tranquilidade da vida em Maycomb, em uma das férias de verão um novo garoto aparece, Dill, que nesses períodos fica hospedado na casa de uma das vizinhas da família Finch, tradicional em Maycomb, e que logo faz amizade com Scout e Jem, irmão quatro anos mais velho de Scout. Dill é inspirado em um personagem real, Truman Capote, reconhecido escritor norte-americano por trazer o jornalismo à literatura, e que conviveu com a autora, Harper Lee, desde a infância, caracterizando um aspecto de autobiografia e veracidade à obra. Além disso, o pai de Harper Lee era advogado, assim como Atticus Finch, pai de Scout, e que se tornará de grande importância não só como grande figura paterna, mas também para os acontecimentos da segunda parte da trama. Apesar de ter adorado a pequena Scout, Atticus foi, com certeza, meu personagem favorito na história, e assim como um dos mais amados pais da literatura, assim como personagem em si. Maycomb, que é uma cidade fictícia, também parece corresponder à Monroeville, cidade em que Harper Lee nasceu, também no Alabama.

O fato de a história se passar no Alabama é crucial para a compreensão da trama. O sul dos Estados Unidos é historicamente marcado pela intensa questão racial e seu grande racismo, tema que será bastante e espetacularmente abordado na segunda parte, e que, para mim, é o principal tema abordado pelo livro, através da empatia que qualquer ser humano deva ter em relação ao outro, e que sugere a expressão escolhida pela tradução para o nome do livro. Atticus Finch, como defensor público, é designado para representar Tom Robinson, um negro que é acusado por um pai e filha brancos, de ter violentado e estuprado a filha em questão, Mayella Ewel. Ao longo da narrativa, e isso não é um spoiler, mas o fator primordial, percebemos que Tom não era o culpado, mas sim o próprio pai da menina, que aproveita-se da condição de Tom, em uma sociedade extremamente racista, e o acusa. Eu iria agora expôr os motivos para tanto, mas acho que esses sim são aspectos que seriam mais interessantes que vocês descobrissem quando lessem, e que são imprescindíveis para compreender a mensagem que a autora queria passar, até para entender a personagem de Mayella como também uma vítima daquela sociedade, à sua maneira, assim como Tom Robinson e outro personagem, que falarei mais adiante.

Como esperado, dentro daquela sociedade de racismo enraizado, Atticus e seus filhos começam a ser perseguidos pela posição do pai de não só representar Tom porque foi designado para tanto, mas por acreditar em sua inocência, e tanto apoiá-lo como sua família. A cada vez que são vistos na rua ou em qualquer outro lugar, acusações de Atticus ser um “admirador de pretos”, palavras usadas pelos personagens, são dirigidas a ele e aos filhos, o que causa estranhamento e confusão para estes, principalmente para Scout, por não entender o que isto significa e a carga que isto tem para as outras pessoas, e por parecer ser uma ofensa tão grande. O choque inverso também acontece, quando Calpúrnia, a governanta negra da família, – que caracteriza-se quase como uma mãe para aquelas crianças, quando a verdadeira morre, e que ensina Scout a ler desde muito cedo –, leva as crianças para sua igreja em um domingo, e a comunidade negra questiona o que aquelas crianças brancas faziam ali, já que tinham sua própria igreja, em uma cena escrita de forma genial.

Dado todo esse contexto conflitante na vida dos personagens, o julgamento finalmente acontece, o ponto alto do romance. Com ele, percebemos que esta cidade, que nos parece de início pacata e tranquila, como qualquer outra, é na verdade a realidade existente em todo o país, dado sua história. No julgamento que Scout e Jem veem a verdadeira realidade e a faceta de Maycomb, e como não é nada bonita e gloriosa, mas horrenda. O que nos salva é este lado forte da empatia, que aparece não só por causa de Tom e Mayella, mas pela história dos vizinhos e notadamente por Boo (Arthur) Radley, que primeiro nos aparece com uma história envolta em mistério e horror, com a grande imaginação das três crianças em torno disso, e depois nos surpreende, dado seu papel no final da história, que é belíssimo. O livro também retrata muito bem a questão do gênero, que não dará para eu comentar por motivos de tamanho desta resenha, mas que o autor John Green comenta um pouco de forma genial em um vídeo falando sobre o livro, que deixarei no final desta página. A explicação para o nome no original é muito interessante também, mas que vocês só descobrirão quando lerem. Um livro que, com certeza, entrou para os favoritos da vida, e mais ainda numa listagem desse ano. Cinco estrelas e favoritado, claramente. Um livro para ser relido em diversas épocas.

Falando rapidamente sobre o filme, a adaptação de 1962, foi de grande satisfação para mim, gostei muito do filme. Apesar de grandes cenas terem sido cortadas, como a cena da igreja, a do incêndio da casa da senhorita Maudie e do desfecho do caso em frente a delegacia ter sido diferente, mudanças que com certeza modificaram o tom da história, não comprometeram definitivamente a grandeza e a qualidade do filme, dado as atuações magníficas de todos os atores, em especial a parte final do depoimento de Mayella no julgamento e de Gregory Peck como Atticus, que agora não consigo ver como outro ator poderia fazê-lo. Os três Oscars que a película ganhou foram merecidíssimos, assim como o Pullitzer do livro em 1961 em ficção e seu enorme reconhecimento, assim como a obrigatoriedade da leitura nas escolas norte-americanas, o que eu acharia também muito interessante e válido por aqui. Um livro para todos lerem imediatamente.

Vídeo do John Green sobre o livro: https://www.youtube.com/watch?v=7FlCWbi_gpk

Cristiane Gomes.

11 comentários sobre “Estreia do blog e O Sol é Para Todos (To Kill a Mockingbird) – Harper Lee

  1. Estreia em grande estilo!
    Primeiro que sua escrita é corretíssima, então já ganhou todos pontos comigo.
    Ao ler sua resenha lembrei de já ter assistido o filme, essa historia é familiar. Quero muito ler esse livro, agora mais que nunca. Historia forte, difícil e super atual, livros que tratam de temas como racismo e violencia merecem nossa atenção .

    E seu blog está bacana! Vou adicionar aos favoritos pra voltar sempre que atualizar.

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    1. Muito obrigada pelo comentário, Diana! O primeiro do blog, eeeeeeba!
      O filme é muito bom, pena que não li/vi antes ambos. E leia que esse livro é essencial! Acho ótimo que ele seja obrigatório mesmo, e deve ser. A atemporalidade da história é evidente, mas é muito triste que a cada ano que regredimos no tempo, o racismo era mais forte e coisas como essas aconteciam. É um livro que, apesar de simples, é pesado. Merecem nossa total atenção!
      Que bom que gostou do blog! 🙂

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  2. Obaaaa Cris!!!
    Que bom que fez um blog! XD
    É interessante porque podemos escrever mais sobre o que achamos do livro! Particularmente, não gosto muito de ler pelo celular, então tenho dificuldade de ler coisas muito grandes no Instagram! 🙂
    Também acabei de ler esse livro e ADOREI! Tivemos percepções parecidas, e outras, vc me ajudou a ver (como eu amo meus amigos-literários!!!) 😀
    É mesmo um livro encantador!
    Beijooos!
    Nati

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    1. Verdade, Nat! É ótimo tanto para podermos falar mais sobre o livro e assim o compartilhamento ser mais bacana, tanto e PRINCIPALMENTE para nós mesmos, assim fixamos mais a leitura e seu processo e podemos lembrar de alguns detalhes por mais tempo, e não precisar reler o livro tipo no próximo ano, hahaha.
      Você deu quantas estrelas pra ele? Quais percepções te ajudei a ver????? Me faaaaala, fiquei curiosa!!! 😀 hahaha E, simmm, melhores pessoas <33333
      Demais. Beijos, e obrigada pelo carinho!

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      1. 5 estrelas!!!!!! XD
        Vc me ajudou a ver que a história dos acontecimentos do condado são uma metáfora para os EUA como um todo (e, por que não, para toda a humanidade?)!
        EEEEEEEEEE!!!!!!! Obrigada!

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      2. Eeeeeeeeba! Tem nem como dar menos, né, quando tu para pra pensar! hahaha
        Ah simmmm! Eu acabaria vendo isso no final, creio, apesar de ser implícito… mas quem falou isso e eu vi (corroborando a opinião dela) antes de escrever foi a Tati Feltrin no vídeo dela…
        Muita gente fala que o livro é sobre a paternidade e como criar seus filhos, eu já parto mais pra achar que fala mais de racismo e, como você disse, uma metáfora para os EUA e tal. Mas as duas visões são válidas e se complementam! 😀 Afinal, Atticus melhor personagem <333

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  3. Olá! Te acompanho lá no IG com o perfil do meu blog: Minhas Impressões.
    Que bom que você resolveu fazer um blog! E começou muito bem com essa resenha maravilhosa. Não sei quando vou ler esse livro mas quero muito. A temática de racismo me atraí e eu fiquei chocada ao ler que é o próprio pai da garota que a estupra só para acusar o negro.
    Gosto quando livros assim têm filme porque é uma outra mídia, às vezes até um complemento.
    Quando ler, irei assistir ao filme.

    Bem vinda!
    Abraços.

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    1. Olá! Muito obrigada pelos elogios! Fico lisonjeada 😀
      O estupro pela parte do pai não fica evidente, especula-se que teve, mas a questão foi bem mais complicada que isso… queria tanto ter comentado isso, mas acabei desistindo por conta dos spoilers. Se você não se importar de recebê-los me avisa que te conto! hahaha Mas, sim, é muito revoltante, de verdade. Embora no fundo ela não passe de uma vítima de tudo isso, como eu apontei na resenha. O pai nunca.
      Também gosto muito! Adorei saber da existência desse filme, ainda mais com tantos Oscars e Gregory Peck, ainda por cima.
      Aí você me conta o que achou de ambos! E dos detalhes cortados do filme.
      Obrigada mais uma vez! Abraços 🙂

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