O Capote – Nikolai Gógol

Como vocês mesmos podem perceber, há muito tempo não escrevo aqui para o blog. Desde outubro, precisamente. Para ser sincera andava sem ânimo nenhum para escrever textos mais longos, que ultrapassassem os caracteres do instagram. Textos que precisassem que eu sentasse na minha cadeira giratória, ligasse o computador e escrevesse durante um tempo maior. Mas, como esperado, voltar a escrever seria uma necessidade mais cedo ou mais tarde. Então, aqui estou.

E eu não poderia voltar de modo diferente: claro que com uma resenha de um livro da literatura russa. Como muitos sabem, a minha predileta.

Hoje trago para vocês a novela O Capote, de Nikolai Gógol, publicada em 1842, meu primeiro contato com o escritor. Escolhi logo esta e logo neste tempo porque está em cartaz aqui no Rio uma adaptação desta novela, então juntei o útil ao agradável; não perdi a oportunidade.
Sem mais delongas, vamos ao enredo de O Capote.

À primeira vista pode parecer-nos “bobo” e até “insignificante”, mas não se deixe enganar: é aí que está a beleza da coisa. Como, após ler a introdução de minha edição não achei melhores palavras para resumir esta obra, reproduzo o trecho abaixo:

Era a história de um pobre funcionário público que, a grandes custos, consegue comprar um novo capote [casaco] e é roubado no mesmo dia em que o inaugura.  Segue-se, então, uma via-crucis pela burocracia russa. A história é não só uma crítica à burocracia, mas um olhar atento e humano às pessoas marginalizadas pela sociedade, às quais ninguém dá atenção, mas que têm cada uma, uma história para contar.

Como se vê, suas histórias eram simples, bobas até, como contos infantis. Nada de pretensões filosóficas ou pedantismo. […] Suas histórias misturavam humor e tragédia naquilo que os críticos chamaram de risos entre lágrimas. Personagens como o funcionário público de O Capote são ridicularizados, mas ao mesmo tempo, redimidos por sua humanidade.

Como o autor da introdução disse anteriormente: “Outra característica que marcou os colegas foi o dom de procurar o humor em plena desgraça”.

Nesta novela, Gógol não se prende a nomes e identificações específicas, pois fica claro que são situações que representam o funcionarismo público e a burocracia como um todo. Além do mais, apontar nomes não é o essencial, visto que são irrelevantes no todo. Com isso, ele mantém esses pequenos mistérios durante toda a narrativa. Mas apontar seu cargo enquanto funcionário público, antes de qualquer coisa, é importantíssimo.

A carga que as hierarquias trazem junto delas, além como desse poder oriundo, é a chave para entender o que Gógol poderia querer nos dizer. A frieza e a objetividade do cargo de funcionário público é sempre jogada ao leitor.

O capote na história significa muitas coisas, em um teor altamente metafórico, assim como o frio que o chama. A graça da história é você perceber essas nuances, em como o objeto pode representar mais do que um simples casaco. Como o capote gasto, tão necessário.

Além disso, o recurso que Gógol usou de a todo momento se reportar ao leitor e explicar coisas pouco faladas é interessante.

O texto é recheado de ironia e sarcasmo, o que remete ao que foi dito na introdução, o fato de acharmos graça de situações trágicas, característica que traz uma leveza e fluidez ao texto, mas de maneira nenhuma diminuindo ou prejudicando as questões levantadas em cada uma das sutilezas de Gógol.

Chegando em casa, sentava-se à mesa e comia a sopa de repolho e beterraba e mais as moscas ou que quer que o Senhor houvesse por bem mandar.

[…] A porta estava aberta, pois a esposa estava fritando peixe e se levantava tamanha fumaceira na cozinha que era impossível ver até mesmo as baratas.

Acho que vou parar por aqui, contar mais dessa história pode prejudicar a experiência de leitura, e até porque trata-se de uma novela, portanto, um texto curto. Mas preciso dizer que tive, durante a leitura, insights de intertextualidade, como com Vidas Secas, de Graciliano Ramos, e A Morte de Ivan Ilitch, de Tolstói. Claro que ficarão no ar, e cabe a você ler para enxergá-los como eu, talvez, hehe. No mais, gostei bastante, e acho que foi uma boa iniciar por este. Dostoiévski trouxe uma máxima interessantíssima e que ficarei atenta a partir de agora, com o tempo quem sabe eu gostando mais desta novela e enriquecendo-a: “Descendemos todos de O Capote“. No mínimo curioso, não?

Acho que quatro estrelas pode ser uma boa avaliação para ele.

Muitas vezes, no corredor da vida, o jovem estremecia ao pensar em quanta desumanidade há no homem, mesmo naquelas pessoas que a sociedade considera honradas e nobres.